quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O testamento de Maria




Certa vez indiquei a um amigo português a leitura de O Evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago, referindo-me a uma obra prima que não poderia deixar de ser lida, ainda mais por um compatriota do autor. Pouco tempo depois encontrei o amigo, que foi taxativo, enfático, definitivo, Folheei o livro numa livraria e não o lerei de forma alguma, aquilo é uma heresia.
            Outra pessoa, bem mais próxima, admirador de Saramago por algum tempo – fã ardoroso de O ano da morte de Ricardo Reis – depois de ler o Evangelho, sacramentou, Nunca mais leio qualquer livro do Saramago.
            Se você é uma dessas pessoas, sugiro que nem acabe de ler esta crônica, não perca seu tempo! Nem se irrite...
           Após o alerta, vamos ao que interessa: O testamento de Maria, de Colm Tóibín, tradução de Jorio Dauster, Companhia das Letras, 2012. O livro é espetacular, é o mínimo que posso dizer. O autor, nascido na Irlanda em 1955, é premiadíssimo, inclusive com o Booker Prize em 2001.
            Amedrontada, assustadíssima, isolada do mundo, 30 anos após a morte brutal do filho, Maria relata obscuras lembranças de um tempo difícil, tempo da possível origem do Cristianismo. “Meu corpo é feito tanto de sangue e ossos quanto de memória”, alerta Maria no início do livro. E continua:

“Eu me lembro de coisas demais; sou como o ar num dia calmo, que se mantém parado e não deixa escapar nada. Assim como o mundo prende a respiração, eu guardo as recordações dentro de mim”.
           
Maria descreve o comportamento do filho desde a infância até a crucificação, analisa os chamados milagres, o drama de Lázaro ressuscitado, discute os fatos “que já estavam decididos”, fala do instinto de sobrevivência que a manteve viva enquanto o filho morria na cruz e do sentimento de culpa daí advindo, humana que é.
Sua voz é ao mesmo tempo cheia de ternura e ódio.
            O livro, de oitenta e poucas páginas, pode ser descrito como de uma prosa lírica riquíssima, e a tradução parece-me primorosa. Sem dúvida, um livro ousado, denso, brilhante, inesquecível para aqueles que tiverem coragem para enfrentá-lo.

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