terça-feira, 11 de julho de 2017

Respondo a Suzete, falando de música sertaneja


Minha querida Suzete,

pensou que eu havia morrido, não é? Pois estou vivinho da silva, meio atrapalhado com o aparelho locomotor, mas ainda bem que o aparelho de pensar (precário) continua funcionando. Desculpe a demora em lhe responder.
            Desde que recebi sua última carta, após a fatídica visita a Capelinha do Chumbo (que nome, heim!), desejo manifestar minha solidariedade a você e meu protesto contra a tal música sertaneja.
            O nosso Brasil varonil sempre se destacou pela qualidade de sua música popular, especialmente após o surgimento da Bossa Nova. Enquanto esta mesma música popular parece estagnada em países como a Itália, França, Portugal, prosperou em nossa terra, repleta de bons compositores. Temos o reconhecimento internacional neste quesito, coisa rara de se ver.
            Pois não é que agora vem essa bendita sertaneja atormentar as orelhas da gente?! Que coisa horrível, Suzete! As letras são de uma banalidade absoluta, o que permite sejam decoradas com facilidade, e assim a plateia pode cantar junto, o que agrava nosso tormento auditivo. As músicas de uma pobreza incrível, ridículas, próprias para serem acompanhadas por músicos incompetentes. (Gostei do seu traaammm-traaammm-traaammm... Onomatopeia perfeita!)
            Minha questão é: será que isso vai tomar conta da música popular brasileira? O país afunda econômica e politicamente; nossa música está afundando junto?
            Me acompanha desde sempre um aforismo permanente, que aplico a quase tudo na vida, desde aprender a comer ostras até apreciar o quarteto para cordas opus 132 em lá menor de Beethoven, que reza:

Tudo Na Vida É Uma Questão De Educação.

            Enquanto nossa Educação desce ladeirabaixo, a música sertaneja sobe aos palcos e floresce de ponta a ponta no país. Só faltava essa!
            Suzete, estou com você, solidário no seu sofrimento em Capelinha do Chumbo. Porém, aproveito esta cartinha para lhe recomendar leitura bem mais edificante, com a qual estou maravilhado, como que envolvido pela nuvem mágica da Grande Literatura, mesmo após o término do livro, que não me sai da cabeça. Se você leu os últimos posts do Louco, saberá que estou a falar De amor e trevas, do grande Amós Oz.
            São 600 páginas de muito amor e alguma treva! Impossível não se emocionar, Suzete. Destaco para você um pedacinho:

“Uma vez, quando eu tinha sete ou oito anos de idade, estávamos sentados no penúltimo banco de um ônibus a caminho do posto de Kupat Cholim ou de uma sapataria, minha mãe me disse que embora os livros possam mudar ao longo dos anos, assim como as pessoas, a diferença está em que, enquanto as pessoas sempre nos abandonam quando percebem que não podem mais obter nenhuma vantagem, prazer, interesse ou pelo menos um bom momento de nós, um livro nunca vai nos abandonar. ...Eles nos esperam até por dezenas de anos. Não se queixam. Até que numa noite, quando de repente você vier a precisar de um deles, mesmo que seja às três da madrugada, e mesmo que seja um livro que você tenha desprezado e quase apagado de seu coração por muitos e muitos anos, ele não vai decepcioná-lo – descerá da prateleira e virá conviver com você num momento difícil.”

            Que boa lembrança o menino Amós traz da mãe dele! Que bom conselho!
            Sabe Suzete, a velhice traz bem isso com ela: “as pessoas sempre nos abandonam quando percebem que não podem mais obter nenhuma vantagem, prazer, interesse ou pelo menos um bom momento de nós”. Difícil obter alguma coisa de um velho que não seja o cheiro da velhice. Se não há vantagem alguma, melhor a distância.
            Termino por aqui, Suzete, com o mesmo carinho que sempre senti por você.
Do seu


                                                andré

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